Largo de Antas, nº – 1
São João de Rei
Póvoa de Lanhoso
Telefone: 253 909 100
Não fecha
É daqueles locais clássicos, por onde o tempo parece não passar. Ainda me recordo de ali ir e só haver a sala de baixo, com o soalho em terra batida, mesas e bancos corridos, mas onde já havia seguidores ferrenhos, entre os quais políticos, jornalistas, escritores, cineastas e tantos outros. E o que é que os levava ali, a um local distante de tudo e algo difícil de encontrar? Pois era a excelência da comida e a simpatia com que sempre eram recebidos. E o que se comia naquele local? Acima de tudo era o bacalhau, sempre o bacalhau. Embora houvesse mais duas ou três propostas, era a excelência do bacalhau que proporcionava verdadeiras romarias á pequena aldeia de São João de Rei. Mas a história deste senhor Vitor Peixoto começou, ainda jovem, quando já ajudava o pai na sua loja/mercearia da aldeia. Já era o “bichinho” de gostar de servir muito bem os clientes que lhe começava a correr nas veias. Foi então, em 1971, que o pai o autorizou a avançar com um pequeno restaurante, que começou por ser um tasco, a servir petiscos e vinho verde.
A sala era em terra batida, com as galinhas a passear por ali, a “picar no chão”. Eram outros tempos. Mas o sr. Vitor já primava pela qualidade daquilo que servia e, embora as carnes de porco, de vitela em enormes costeletas e a excelência do cabrito assado no forno ao fim-de-semana fossem rainhas, o bacalhau começou desde logo a fazer parte da curta ementa, em bolinhos de bacalhau e pataniscas, mas sobretudo nas descomunais postas, cortadas dum lado ao outro da peça de bacalhau. O sr. Vitor desde então que só usa bacalhau Noruega, de tamanho jumbo e sempre da mesma origem. Só assim consegue manter a consistência daquilo que serve, semana após semana. E tudo se mantém até hoje. De tal maneira que o sr. Vitor já foi mais que uma vez á Noruega, convidado pelos produtores de bacalhau, tal a divulgação que ele faz deste produto.
Hoje, 50 anos volvidos com porta aberta, este Vitor continua a servir com a mesma qualidade e com a mesma alegria e bom gosto deste homem de pequena estatura mas com um estatuto nacional que há muito ultrapassou fronteiras. Hoje é vulgar estarmos no Vitor, com casa cheia, e ouvir falar várias línguas. De que se destaca o sotaque brasileiro, não só dos muitos brasileiros que por cá vivem e que se deslocam de todo país para ali ir apreciar o bacalhau, mas também dos muitos que vêm de férias e trazem essa recomendação. O sr. Vitor tem as duas filhas, Angelina e Olga, a trabalhar com ele, e o chefe Mário Machado, companheiro de muitos anos, a dirigir a cozinha. Uma equipa perfeita, para nossa satisfação. Mesmo ultrapassada a casa dos 80 anos, o sr. Vitor continua a atender o telefone e registar as reservas, é grande utilizador do Facebook onde divulga este espaço de bem comer, vai recebendo os clientes quando chegam e encaminha-os para a mesa e vai andando pelas salas com uma energia notável e uma simpatia contagiante.
Ali chegados, entramos por uma recepção onde estão expostos alguns bacalhaus secos inteiros e uma garrafeira bem abastecida de vários tipos de vinho, onde, naturalmente, os verdes marcam presença importante. Há uma primeira sala muito pequena, que dá acesso á sala principal, hoje já com soalho de tijoleira, ampla, de boas dimensões e cheia de luz. Mesas bem postas, com simplicidade mas com tudo o que é necessário para apreciar uma óptima refeição. No cimo das escadas há outra sala, de pequenas dimensões mas com o mesmo conforto. Ao fundo a cozinha, onde pontifica o enorme grelhador, sempre a crepitar, e onde vão passando as matérias primas de excelência. O bacalhau, cortado em postas que vão dum lado ao outro (embora haja uma dose mais pequena para apenas uma pessoa), postas descomunais, é demolhado com água de mina, pura e gelada, como deve ser, e é essa uma das razões da qualidade do produto. Depois vai para as brasas e é grelhada no ponto, sempre com a mesma consistência, para que a peça fique loirinha por fora mas macia e gordurosa por dentro.
Vem à mesa na companhia de cebola crua ás rodelas, pedacinhos de alho e batata a murro muito saborosa, tudo regado com fartura de azeite transmontano. Colocado no prato e fazendo pressão com os talheres, é ver as lascas a soltar-se facilmente e a embeberem-se no azeite, soltando aqueles aromas que tão bem conhecemos. Depois é apreciar esta maravilha até não podermos mais. Mas quando nos sentamos á mesa vem pão e broa de milho estaladiços, bolinhos de bacalhau deliciosos, ovinhos de codorniz cozidos e rodelas generosas de óptimo salpicão. Em alternativa ao bacalhau há uma enorme costeleta de vitela, sempre grelhada e com o mesmo acompanhamento. Por encomenda, o cabrito assado no forno, em assadeira de barro, com batatinha assada e grelos salteados, também se recomenda. As refeições são normalmente regadas com belos vinhos verdes, que é zona deles, incluindo um vinho da casa, com rótulo próprio. Mas há boas escolhas na garrafeira que o sr. Vitor foi montando, um pouco de todo o país. Eu gosto muito de acompanhar o bacalhau com verde tinto tradicional, bebido em malguinha, como manda a tradição por aquelas bandas. Ali no Vitor os acompanhamentos são muito simples: batata a murro, cebola crua e grelos salteados, matérias primas daqueles campos ali á volta, naturalmente. Para sobremesa outra iguaria que é quase obrigatória neste Vitor: o leite creme, que é queimado no momento, com chapa de ferro aquecida nas brasas, uma maravilha.
O sr. Vitor ainda não parou de andar pelas mesas a verificar se tudo está bem e os clientes satisfeitos. Aliás ele nunca pára, transmitindo ume energia e uma alegria incríveis, que são também uma lição de vida.
Só é pena termos que ir embora, mas não sem dar um passeio a pé pela pequena aldeia, para retemperar forças e encher os pulmões daquele ar puro da serra do Gerês, antes de nos fazermos á estrada.
Mas fica a promessa de lá voltarmos logo que possível. Com a certeza de termos o sr. Vitor á nossa espera para nos receber como sempre, com amizade.