As ilhas da Madeira e do Porto Santo foram descobertas há 600 anos, no começo da epopeia enorme que foram os descobrimentos protagonizados pelos Portugueses, que haveriam de “dar novos mundos ao mundo”. Foi por isso natural que um dos mais antigos e emblemáticos produtores de vinho da Madeira quisesse assinalar esta data com algo muito especial. E de que se poderia tratar se não dum vinho Madeira muito especial?! Foi por isso que o enólogo Francisco Albuquerque e a sua equipa trabalharam afincadamente durante muito tempo para chegar a este vinho.
A ideia base foi produzir um lote a partir de vinhos das cinco principais castas da região, que cobrissem os séculos XIX, XX E XXI. E assim foi feito. Depois de muito provar, durante muito tempo, escolheram 11 vinhos, das cinco castas: Malvasia, Boal, Verdelho, Sercial e Terrantez, dos três últimos séculos. O mais velho data de 1863 e o mais recente de 2004. A média de idade dos vinhos que constituem este lote é bastante superior a 50 anos, bem mais perto dos 100 anos. Alguns desses vinhos eram os últimos disponíveis, por isso não há mais. O que faz com que este vinho, para além da sua raridade, seja irrepetível, por vontade de Francisco Albuquerque e da administração da Blandy.
Existem apenas 600 garrafas, simbolicamente o número equivalente á data da descoberta da Madeira, 600 anos. Estas 600 garrafas são todas magnum, ou seja, de 1,5 litros. Mas houve também um enorme cuidado na sua apresentação. Foi desenhada e projectada uma embalagem extremamente cuidada, produzida em madeira de vinhático, forrada, que inclui uma brochura num envelope que é decorado com um bordado da Madeira e que explica esta edição e onde se faz também referência á floresta de Laurissilva da região, património da humanidade. O formato da garrafa foi inspirado numa garrafa do século XVIII produzida nos Estados Unidos. Uma imagem da ilha da Madeira em prata cinzelada manualmente está cravada na garrafa, que é de cristal soprado, feita á mão, em homenagem a estas artes seculares. A embalagem é, por si só, uma belíssima obra de arte. Para quem a detenha, e depois de usufruído o precioso líquido ali preservado, poderá ser utilizada como um belo decanter para manter e apreciar outros vinhos da Madeira. Mas para isso terá que desembolsar cerca de 4.500,00€.
A sua apresentação foi feita numa das salas do belíssimo Wine Lodge da Blandy, mesmo no centro do Funchal, um local de romagem para os apreciadores dos vinhos da Madeira. A sessão de apresentação foi aberta por Chris Blandy, CEO da empresa, sendo o vinho apresentado e explicado pelo seu autor, Francisco Albuquerque. Mas melhor que as explicações foi a prova que se seguiu. Que começou pelas outras novidades da casa: Blandy’s Sercial 1980, Blandy’s Malmsey 1981, Blandy’s Malmsey 2004, Blandy’s Verdelho 2008, Miles Tinta Negra 1995, Miles Tinta Negra 2008. Vinhos extraordinários, na linha dos que a casa tem vindo a apresentar, com uma belíssima recuperação da casta Tinta Negra, a provar que se for bem trabalhada, dá vinhos ao nível dos melhores. Os Malvasia, Verdelho e Sercial, a par de alguns Boal, são do melhor que esta casa tem, e são já referências do seu estilo muito próprio, a que o excepcional trabalho de Francisco Albuquerque nos habituou ao longo dos anos.
Finalmente provou-se o vinho da comemoração dos 600 anos, o MCDXIX, guiados pelo Francisco Albuquerque. Foi uma viagem incrível que nos levou aos vinhedos desta ilha fantástica, alguns perto do mar, outros a meio das encostas ensolaradas, até aqueles lá acima, por vezes a mais de 600 metros de altitude. O nariz foi invadido por aromas variados, poderosos, cheios de complexidade, a um tempo mornos mas logo a seguir cheios de frescura, não apetecia tirar o copo do nariz, tal o prazer da descoberta.
Meteu-se a medo um pouco de vinho na boca, com muito cuidado, passou-se pela língua, e o êxtase foi total. Elegância, frescura, especiarias, tabaco, fumo, frutos secos, uma imensa complexidade, é muito difícil de descrever. E vai evoluindo no copo, não apetece saír dali. Daqueles vinhos que se bebe sozinho, apenas na companhia de música, vários tipos de música. Pode perfeitamente começar por se ouvir “Medle” dos Pink Floyd, passar por Romero Lubambo e Nelson Faria a tocar “Days Of Wine And Roses” e acabar em êxtase a ouvir Luciano Pavarotti interpretar a área “Nessun Dorma” da ópera Turandot de Puccini… Atinge-se a perfeição. Tudo por causa deste vinho, que aguenta isto e muito, muito mais. Parabéns à Blandy pela iniciativa e originalidade, parabéns ao Francisco Albuquerque pelo seu trabalho e bom gosto.
Assim vale a pena…