Largo da Igreja 27-26 – Sendim (Miranda do Douro)
Telefone: 273 739 180
Não fecha
É uma verdadeira instituição do nordeste transmontano, que existe há quase 100 anos, este restaurante “Gabriela”. Comecei a frequentar esta casa típica há mais de 30 anos e fiquei muitas vezes hospedado na sua na sua residencial, mesmo ao lado. E fui sempre muito bem tratado, assim como todos os comensais, pois foi esse o espírito da sua fundadora, que deixou á filha e ás netas esse legado: servir boa comida, com fartura e muito boa disposição. E assim se mantém até hoje.
A sua fundadora, Ana das Dores, era mais conhecida por La Gabrila, que no mirandês local quer dizer Gabriela. E assim ficou para sempre. Juntamente com o marido, carpinteiro de profissão, montaram uma taberna mesmo por baixo da casa, em Sendim, a servir petiscos e copos de vinho. Mas cedo se dedicaram também a andar pelas feiras de gado dos concelhos de Miranda do Douro, Mogadouro e Vimioso. Para ali partiam numa carroça puxada por dois burros: o marido levava os artefactos e ferramentas para fazer reparações e ela loiças, copos, canecas e outro material para servir petiscos e carnes assadas. Nas feiras comprava um borrego que era ali mesmo morto e amanhado, depois assado e servido á fatia. Mais tarde já iam para as feiras numa transportadora e levavam as peças de vitela compradas nos talhos de Sendim. Nas feiras a Gabriela cortava os nacos de vitela, normalmente da perna, que grelhava a preceito e servia em cima duma fatia generosa de pão de centeio. Antes já servira azeitonas, alheira e chouriça grelhadas, e nunca faltava vinho tinto, que era mais clarete, vinho do planalto mirandês.
Depois duma passagem de cinco anos por França, como emigrante, sempre a cozinhar, regressa a Sendim e retoma o seu espaço de restauração. E é a Gabriela que deixa de servir o naco de vitela grelhada em cima da fatia de pão, e então a vitela é “posta” no prato e comida á mesa. Nascia assim a posta Mirandesa (porque de carne de vitela Mirandesa). Mas Gabriela junta-lhe um molho que ela própria inventou, á base de azeite, alho, vinagre e malagueta, e umas batatas fritas de corte muito particular. Estava imortalizada a “Posta Mirandesa”!!
O testemunho é passado á sua filha Alice, e hoje é pertença das suas netas Maria Adelaide e Maria de Lurdes.
Conheci bem a D. Alice, que era duma alegria contagiante, adorava cantar e não deixava ninguém indiferente. Quantas vezes, hospedado na residencial, ao entrar no restaurante e ao saber que estava sozinho, me convidava para a cozinha, sentava-me em frente á enorme lareira, e era ver o desfilar de petiscos que passavam pelas brasas, até terminar numa descomunal posta de vitela. E ela sempre a cantarolar, preparando petiscos e pratos para os muitos clientes, fosse verão ou inverno. Herdou também da mãe o jeito e sabedoria para várias outras receitas, entre as quais umas perdizes estufadas de truz. Que comi tantas vezes…
Hoje a casa continua igual, acolhedora, com sala ampla e agradável, e com as duas irmãs responsáveis pelo mesmo tipo de serviço, com muita simpatia, a ajudar-nos a escolher dentre o que têm disponível que, não sendo muito variado, é invariavelmente muito bom. E continuam a usar muitos produtos das suas hortas e pomares, sendo a grande variedade de compotas feitas na casa, todos os anos. Sejam frutas sejam legumes, ali respeita-se a sazonalidade dos produtos, serve-se o que é da época, sempre fresco, e muito bem.
Na última visita veio para a mesa pão regional, azeitonas deliciosas e aqueles pimentos curtidos tão tradicionais de Trás-os-Montes: pequenos, mergulhados em vinagre de vinho durante algumas semanas e guardados em enormes frascos de vidro. São irresistíveis!
Logo a seguir foi uma sopa de agriões e abóbora, bem quente, deliciosa. E não resisti á enorme posta de vitela, a tal da Gabriela. Naco de vitela da perna, alta, para aí uns 400 gramas de carne, grelhada em brasa de lenha, no ponto, tenra e deliciosamente saborosa. Bem regada com o tal molho e acolitada pelas batatas como só aqui consigo comer, loirinhas mas fofas por dentro, levemente embebidas no molho, numa simbiose perfeita com a carne. Para acompanhar, uma salada dos tais agriões, tenrinhos e carnudos, que segundo me informaram tinham sido apanhados de manhã cedo, levemente regados com azeite (o azeite transmontano sempre presente) e um golpe de vinagre. Nem foi preciso sal. Fui acompanhando a refeição com vinho tinto da Agrícola de Sendim, mesmo da terra, que ainda se parece com clarete. Antigamente era de garrafão, hoje é de bag-in-box. Mas que me sabe tão bem.
Terminou-se a provar uns pedacitos de três das muitas compotas e doces de fruta que ali se fazem e servem: cereja, tomate e marmelo.
Com o café um shot de bagaço, para o caminho.
E mais não disse!