R. da Misericórdia, 95, 1200-385 Lisboa
Telefone: 967 391 414
Fecha domingo e segunda-feira
Nuno Diniz e Rodrigo Meneses são acérrimos defensores da cozinha portuguesa e da utilização dos produtos nacionais. O Rodrigo lidera a Academia do Mercado da Ribeira, em Lisboa, o Nuno é chefe de cozinha dando consultoria em vários restaurantes da capital e é professor da escola de hotelaria local. Ambos fazem pesquisa sobre muitos dos produtos regionais, que também utilizam e divulgam, e o Nuno Diniz editou mesmo um livro sobre os enchidos e o fumeiro portugueses, de todo o país.
De muitas conversas e trocas de opinião ao longo dos últimos anos, surgiu a ideia de avançarem com um restaurante em Lisboa.
E a oportunidade surgiu de repente num espaço que estava bem no centro da cidade, no Chiado, pertencente á Associação 25 de Abril, que fora projectado para restaurante, agora sem inquilino. Negociação relativamente fácil e surgiu dali o “Revolução”.
Situa-se no primeiro piso do edifício, com acesso por escadas e elevador, podendo consultar-se a ementa cá fora, antes de entrar.
Chegados lá acima, recebe-nos uma sala que dá para a frente, cheia de luz, onde se nota o traço do arquitecto Siza Vieira, que remodelou o espaço e o adaptou á função restaurativa, já lá vão uns anos. Sala ampla, agora com mais espaço entre mesas por força das circunstâncias, mobiliário em boa madeira de tons claros, os tampos das mesas mais escuros, belas obras de arte distribuidas pelas paredes. Um amplo hall separa a sala principal de uma segunda sala, onde funciona o bar, mas onde se podem servir pequenos grupos, num ambiente mais privado.
A amesendação é muito simples, utilizando os tampos das mesas e, como agora é obrigatório, os talheres e guardanapos aparecem á parte, com um saco de papel, vazio, para colocar as máscaras. Um pormenor interessante.
Serviço muito simpático e profissional, com uma nota curiosa: na parte final da refeição, também os cozinheiros vêm á sala, para ajudar a levantar as mesas mas também para saber junto dos clientes da sua satisfação em relação á refeição e, se necessário, dar algumas explicações.
A ementa, apresentada numa simpática tábua, é curta, mas vai evoluindo e acrescentando novas propostas, ao sabor da paixão e criatividade dos dois parceiros. Sempre com produtos portugueses de grande qualidade, alguns dos quais são mesmo transformados e preparados na casa. Como por exemplo a cabeça de xara, que é elaborada ali, a partir de matéria prima adequada. O resultado é excelente. E, como o Nuno Diniz faz questão de lembrar, todos os caldos e molhos são preparados na casa, não há nada sintético ou processado. Á maneira antiga, e não custa nada, aproveita-se tudo…
Para a mesa vêm vários tipos de pão, azeitonas deliciosas e azeite a sério, servido numa simpática almotolia de vidro. Belo começo.
Como entradas, polvo á bordalesa, um clássico que anda arredado das ementas dos restaurantes, o que é uma pena. Umas deliciosas e rendilhadas pataniscas de bacalhau, crocantes por fora e fofinhas por dentro, aqui na companhia duma saporida açorda de ovas, muito bem ligada e, num toque de requinte, croutons fritos em azeite por cima. Depois, provavelmente os melhores croquetes que comi nos últimos anos, com fumeiro – e que fumeiro!! – que me fizeram recuar até á minha infância e lembrar os croquetes que a minha avó Zélia fazia. Absolutamente soberbos, com um leve toque, á parte, de maionese feita na casa com um pouco de alho assado.
Por vezes hão-de aparecer sopas, bem portuguesas. Aquando da última visita havia lagarada de bacalhau, com o gadídeo enformado e encimado por broa tostada muito saborosa. Uma das características desta ementa é que, sempre que possível, indica a origem dos produtos. Neste caso informava-se que o bacalhau era da Islândia, mais precisamente da baía de Keflavik, com 4 anos de cura. Havia também filetes de pescada da Inês com arroz de berbigão, numa simpática alusão á Inês Diniz, do saudoso restaurante Aleixo, no Porto. Aqui indica-se a origem do arroz, um carolino Ronaldo, de José Mota Capitão, da Herdade do Porto Carro, Península de Setúbal. Ainda nas ofertas piscícolas, aparece a massada de peixe e bivalves, como em Vila do Bispo, também com camarão, a massada caldosa, cheia de sabor a mar, que se pode comer com faca e garfo mas que se recomenda acabar de comer com colher, para poder sorver o caldo e todo o “entulho”, juntamente com as massinhas cotovelo, uma maravilha.
Passando para as carnes, continuam a desfilar os produtos de excelência da nossa terra, a começar pela alheira transmontana, acompanhada de batata cozida com a pele, e uns espigos cozidos, que podem ser regados abundantemente com azeite belíssimo. Segundo as indicações a alheira é fornecida pelo talho do sr. Sidónio Fontes, em Vila Real, a batata laura e os espigos fornecidos pelo sr. Fernando Pires, de Famalicão. Uma beleza, a alheira com a pele bem tostada, crocante, mas sem rebentar, redondinha e luzidia. A posta de vitela transmontana é também do talho de Vila Real, grelhada no ponto, mal passada, acompanhada por batata assada e hortaliças estaladas, carne saborosa e tenra, num conjunto que tem tanto de simples como de excelente. E o galo estufado em vinho do Douro e arroz de forno com enchidos, um prato fantástico, com as peças de carne sobre uma enorme tosta, a carne a desfazer-se, cheia de sabores, o arroz de forno servido numa bonita terrina de louça portuguesa. Um prato menos vulgar mas com tanta tradição. Os galos são fornecidos pela casa dos Capões, de Miguel Pereira, em Paços de Ferreira. Tenho a certeza que no próximo inverno este “Revolução” vai levar até Lisboa a excelência da carne de capão, cuja feira anual acontece no dia 13 de Dezembro, em Freamunde (Paços de Ferreira). Vou estar bem atento!!
Termina-se uma refeição fantástica com sobremesas igualmente com grande tradição, de vários locais deste nosso cantinho. Não podem faltar os queijos: queijo da Serra curado (leite cru), afinado por José Branco, da Manteigaria Silva, em Lisboa, e queijo de ovelha Bordaleira, (leite cru), de Cristina Pessanha, da Queijaria Povolide. Na doçaria aparece o pudim de marfim, a tigelada da Lousã, o leite Serafina, da mãe do chefe e o sarrabulho doce, de Mondim de Basto, algo com tanta tradição popular mas muito raramente servido em restaurante. Sauda-se a coragem e o bom gosto, é incrível.
A carta de vinhos percorre algumas das principais regiões do país, com a maior parte dos vinhos menos conhecidos, muitas vezes de pequenos produtores, que promete ir evoluindo. E vai mesmo haver alguns jantares em que os vinhos vãos ser a atração principal, num trabalho conjunto com produtores de vinho e a cozinha do “Revolução”.
No fim da ementa aprecem os nomes próprios de todos os intervenientes no restaurante, os proprietários incluídos.
Nada vulgar, mas com toda a lógica.
Ali, dizem os dois sócios, não há segredos, não há truques, está tudo á vista.
Este restaurante é mesmo uma revolução na restauração lisboeta, Lisboa já merecia este “Revolução”.
Bravo, meus senhores, bravo!